quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Internacional e ASFINTER condenados a indenizar familiares de jovem morto em festa.

A Associação dos Funcionários do Sport Clube Internacional (ASFINTER) e o Sport Clube Internacional foram condenados a pagar indenização por danos morais e materiais à família do jovem Igor dos Santos Carneiro, morto aos 18 anos em razão de uma bala perdida em festa organizada na sede da ASFINTER em outubro de 2008. A decisão, proferida pela Juíza de Direito Jane Maria Köhler Vidal, titular da 3ª Vara Cível de Porto Alegre, é datada de 1º/12.

A sentença julgou o pedido dos familiares do jovem procedente em parte no sentido de condenar, solidariamente, a Associação e o Clube ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 400 mil para os pais (divididos pela metade) e R$ 25 mil para cada uma das três demais autoras (duas irmãs e a avó), valores corrigidos monetariamente.

Além disso, a ASFINTER e o Clube foram condenados ao pagamento de pensão mensal à mãe do jovem, no valor equivalente a 2/3 do salário mínimo nacional, reduzida a 1/3 a partir da data em que a vítima completaria 30 anos. O benefício deve ser pago até a data em que ele completaria 72 anos, se a mãe estiver viva até então.

Conheça, abaixo, a íntegra da sentença:

1.0) RELATÓRIO

MARIA ISABEL FONSECA SANTOS, CARLOS ESQUERDO CARNEIRO, MARIA ANTONIETA MAGALHÃES FONSECA, VIVIAN SANTOS CHIESA FREITAS e CAROLINA SANTOS ajuizaram Ação Indenizatória contra ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DO SPORT CLUB INTERNACIONAL – ASFINTER - e SPORT CLUBE INTERNACIONAL, alegando que são familiares de Igor dos Santos Carneiro, com 18 anos, vítima fatal de bala perdida em festa ocorrida no dia 19 de outubro de 2008 e organizada na sede da Asfinter, primeira requerida, situada em área pertencente à segunda ré. Esclareceram que o jovem residia nesta Capital, na companhia da mãe, Maria Isabel Fonseca Santos, das irmãs Vivian Santos Chiesa e Carolina Carneiro e da avó Maria Antonieta Magalhães Fonseca. Disseram que mais de três mil jovens fizeram-se presentes ao evento. Não obstante, apenas 35 seguranças foram contratados para garantir a integridade física do público, o que representa número absolutamente inferior ao necessário para eventos dessa natureza, máxime pela previsibilidade de que o consumo desenfreado de álcool, liberado na festa, poderia gerar atritos. Sublinharam que os requeridos são responsáveis, solidariamente, pelo evento danoso, pelos quais devem responder. Teceram considerações sobre os danos oriundos do fatídico acontecimento, requerendo, ao final, a condenação solidária dos réus ao pagamento de pensão mensal aos pais da vítima, além da responsabilização destes ao pagamento de indenização a todos os autores. Juntaram documentos (fls. 21/183).

Foi indeferido o pedido de antecipação de tutela (fl. 184).

Regularmente citado (fl. 188), o corréu Sport Club internacional ofertou contestação, alegando não ter qualquer responsabilidade pelo fato descrito na exordial, já que o imóvel onde ocorreu o sinistro foi cedido à Asfinter, por meio de comodato, ainda no ano de 1986. Sublinhou que era da Asfinter a obrigação de exploração, gerenciamento e manutenção da área, esclarecendo, a propósito, que antes mesmo do fatídico evento ajuizou ação de reintegração de posse contra a corré, a qual teve a liminar indeferida. Referiu que, no aludido processo, as partes firmaram acordo, no qual ficou postergada a desocupação da área para o mês de julho de 2009. Sublinhou que, a despeito do lamentável incidente, não pode ser responsabilizado pelos danos deles oriundos, já que, a propósito, de há muito vinha tentando ser reintegrado na posse do imóvel. Impugnou a pretensão de indenização por danos morais e materiais, requerendo, ao final, a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 201/489).

Igualmente citada, a Associação dos Funcionários do Sport Club Internacional também ofertou contestação, alegando que, na condição de comodatária, celebrou com Luis Henrique Lima contrato de locação para a realização do evento noturno, fato que a torna parte ilegítima para responder pela pretensão inicial. Requereu, diante disso, a sua exclusão do polo passivo da demanda, manifestando-se, em não sendo este o entendimento, pela improcedência do pedido inicial (fls. 496/516).

Houve réplica (fls. 500/506).

Sobreveio manifestação do Ministério Público (fls. 522/523).

Instadas a tanto (fl. 524), a autora e o corréu Sport Club Internacional requereram a produção de provas em audiência, o que foi deferido (fl. 530).

Realizada audiência de instrução e julgamento (fls. 616/627), foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes (fls. 616/627).

Encerrada a instrução (fl/626), converteram-se os debates orais em memoriais, devidamente apresentados pela autora e pelo corréu Sport Club Internacional (fls. 63/641 e 642/647).

Sobreveio parecer ministerial (fls. 651/661).

É o breve relatório.

Passo a fundamentar a decisão.

2.0) FUNDAMENTAÇÃO

2.1) DAS PRELIMINARES

2.1.1) DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ASFINTER

O cenário que envolve os fatos narrados na exordial não autoriza o reconhecimento da ilegitimidade da corré Asfinter para responder pela pretensão inicial.

Com efeito, embora realmente locasse a área para terceiros, a Associação requerida auferia vantagem direta e imediata com a realização dos eventos, fato que, por si só, legitima a sua presença no polo passivo da presente contenda.

A propósito, a prova carreada no bojo dos autos dá conta de que festas desta natureza eram realizadas com frequência na sede da Associação demandada, não restando outra conclusão senão a de que a atividade era exercida de forma empresarial. A Asfinter locava o espaço para festa e disso auferia lucro.

De forma indireta, ela realizava a festa.

Esse fato, sem dúvida, tem o condão de reforçar ainda mais a tese de que a requerida é parte legítima para integrar a presente lide e de que responderá ela pelo danos que essa atividade lucrativa provocar.

2.2) DO MÉRITO

A ocorrência do sinistro narrado na exordial na sede da Associação requerida, de propriedade do corréu, é fato incontroverso nos autos, aplicando-se, no ponto, o disposto no artigo 334, III, do Código de Processo Civil.

O ponto central da discussão está atrelado à responsabilidade pelo evento danoso, bem assim à dimensão dos prejuízos causados aos familiares do estudante morto no fatídico 19 de outubro de 2008, no complexo Beira-Rio de propriedade do Sport Clube Internacional.

Pois bem.

2.2.1) Da responsabilidade da Associação dos Funcionários do Sport Clube Internacional

A festa foi realizada no dia 19 de outubro de 2008, local da sede da Asfinter.

Nenhuma dúvida há sobre a responsabilidade da Asfinter pelo evento danoso. Embora a festa tenha sido realizada por terceiros, foi ela quem primeiro permitiu que tal festa se realizasse de forma irregular. E permitiu porque visava ao lucro, sem se importar com o evento em si. Explorava o economicamente o espaço que lhe fora cedido em comodato, locando a sede para festas dessa natureza. Aliás, vale gizar que há muito eram frequentes as locações do referido espaço para terceiros, o que constituía importante fonte de renda da Associação. A ASFINTER alugava o espaço para festas e lucrava com isso. Era o que lhe bastava. Isso é o bastante para torná-la responsável pelo fato ocorrido.

Cabe referir ainda que, mesmo presente a responsabilidade da produtora da festa pelos fatos ocorridos, isso não exclui a responsabilidade da Asfinter pelo evento. Há muito se sabia que costuma ocorrer brigas e tumultos na festas lá realizadas, o que revela a negligência da Asfinter em permanecer cedendo o local para tais atividades perigosas.

2.2.2) Da responsabilidade do Sport Club Internacional

Primeiramente, embora realmente se trate de questão bastante delicada, uma análise detida das circunstâncias que envolvem o caso permite concluir, categoricamente, que o Sport Club Internacional é corresponsável pelos fatos narrados na exordial.

Como se depreende dos autos, no complexo Beira-Rio, além do estádio do Sport Clube Internacional e ginásio Gigantinho, situa-se a área onde, na data do evento, localizava-se a sede da Asfinter,que detinha o bem na condição de comodatária.

O contrato que deu ensejo ao comodato, celebrado nos idos do ano de 1986 (fls. 219/222), especifica que o bem objeto de cessão de uso deveria ser destinado, exclusivamente, ao atendimento das finalidades para as quais a associação fora criada (vide Estatuto, fl. 201).

E isso, conforme se evidencia dos autos, não vem, há muito tempo, sendo respeitado pela Asfinter, que, em verdade, ao invés de cumprir as finalidades para as quais o comodato foi pactuado, passou a utilizar do espaço em típica atividade lucrativa e perigosa.

Não obstante o reiterado descumprimento contratual por parte da associação, e ciente das festas e confusões havidas no interior de sua área, o corréu Sport Clube Internacional permaneceu inerte por inúmeros anos, somente vindo a se manifestar no final de 2007, com o ajuizamento de ação de reintegração de posse contra a Asfinter, demanda na qual, por acordo entre as partes, foi prorrogado o comodato até 2009. Aliás, como bem apontou o Ministério Público em seu parecer final, foram as queixas de má utilização do espaço físico pela Asfinter que levaram o Clube a promover referida ação reintegratória.

É dizer, embora tivesse o dever de fiscalizar o exercício do comodato, o requerido quedou-se omisso, consentindo com as reiteradas práticas da Asfinter.

De se destacar, por oportuno, que a ocorrência de uma fatalidade no local era absolutamente previsível, tratando-se, em verdade, de questão de tempo. E isso foi o que ocorreu.

Ora, em uma festa em que são vendidos ingressos em número muito superior ao que o local comporta, em que a bebida alcoólica é liberada, em que os ânimos se acirram por conta do efeito do álcool e em que a segurança é precária, não há o que se esperar senão confusão, desentendimentos, brigas e violência.

Não obstante estivesse devidamente ciente de tudo isso, posto que o imóvel onde as festas eram realizadas ficava dentro do complexo Beira-Rio, o comodante foi omisso por inúmeros anos, inclusive após o ajuizamento da ação de reintegração de posse, na qual consentiu, uma vez mais, com a permanência da Asfinter no local, e, por conseguinte, com as próprias festas.

Cabia ao proprietário escolher bem e saber bem para quem emprestaria o bem e fiscalizar o bom uso de seu imóvel caso houvesse desvio. Não foi o que o Sport Clube Internacional fez. Calou. Consentiu. Assumiu o risco. Agora, responde.

Isto é, embora ciente do reiterado descumprimento das finalidades para as quais o contrato foi celebrado, o Sport Club Internacional, por meio de acordo, anuiu com a mantença, até 31/07/2009, dessa situação anterior, na qual era permitida à comodatária locar o espaço para a celebração de festas no pátio do Clube, com bebida liberada e circulação de milhares de jovens contagiados pelo efeito do álcool em suas dependências. E foi justamente durante esse período que ocorreu o trágico acontecimento.

Importante dizer que o acordo fimando entre a Asfinter e o Sport Clube Internacional, celebrado em 06/08/2008, permitiu expressamente que a Asfinter continuasse a realizar as festas até 31/07/2009, consignando que “buscando evitar reclamações que são dirigidas ao clube comodante, mas sob a responsabilidade das festas na Associação, ficam estas limitadas para as sextas-feiras com possibilidade de sonorização funcionar até as 2 horas da madrugada e, aos sábados, também com possibilidade da sonorização até as 3 horas da madrugada. .. Pra o caso de ser desrespeitado o limite para as festas, em havendo reclamação formalizada junto ao Clube para as festas de responsabilidade da Associação, estas restarão suspensas até a solução quanto ao ambiente para o funcionamento de festas com sonorização do ambiente (fl. 414).

Dessa forma, com esse acordo, o Sport Clube Internacional anuiu que as festas fossem realizadas pela Asfinter no espaço do Clube, com o objetivo de lucro, consagrando, de dforma expressa seu consentimento com o desvio de finalidade do empréstimo do imóvel. Emprestou gratuitamente o imóvel sabendo que ali se realizariam essas festas absurdas. E mais, estabeleceu a possibilidade de reclamação, desde logo prevendo que isso aconteceria.

E assim o fez porque algumas reclamações já lhe tinham sido feitas. Essa é mais uma circunstância importante de registro, o fato de que tais festas perigosas, anúncios de uma tragédia, se realizavam num dos espaços do complexo Beira-Rio e quem delas participava acreditava que estavam sendo promovidas pelo Clube, tanto que as reclamações que surgiram foram endereçadas ao Internacional, o que revela que até aos olhos do povo o Clube mantinha alguma relação com os eventos. E essa relação era, no mínimo, de consentimento.

A prova documental revela que várias festas foram realizadas naquele local antes do fato, sempre com anúncio de bebidas liberadas e abertura a partir das 22 horas, revelando que o acordo não foi cumprido nem fiscalizado.

A prova oral colhida inclusive não deixa dúvidas de que o Clube já recebia reclamações e sabia que nas festas ocorriam brigas e tumultos. Nesse sentido depôs o chefe da equipe de segurança do Internacional, Roberto Cury Ordovas (fls 623v/626v).

Não se pode olvidar que a sede da Asfinter era dentro do complexo Beira-Rio, o que permitia ao Internacional a plena e rápida fiscalização dos eventos, que, repito, não foi feita.

Por tudo isso, máxime em razão da sua evidente omissão, deverá o Sport Clube Internacional responder, de maneira solidária, pelos prejuízos causados aos familiares do jovem morto na fatídica madrugada do dia 19 de dezembro de 2008, no complexo Beira-Rio.

Fixadas tais premissas, passo, de imediato, à análise da presença ou não dos pressupostos da responsabilidade civil na espécie.

2.2.3) Do dever de indenizar

Os elementos ensejadores do dever de indenizar estão devidamente caracterizados no bojo dos autos. Aliás, são tão evidentes que tal fato sequer é impugnado pelos demandados, que restringem suas alegações à tese de que são irresponsáveis pelo evento danoso.

Em que pese a ausência de impugnação específica no particular, passo à análise dos requisitos da responsabilidade civil, quais sejam, conduta humana, culpa, nexo de causalidade e prejuízo.

Pois bem.

Como já destacado acima, o evento danoso somente ocorreu em razão da utilização inadequada do imóvel pela corré Asfinter, que, com objetivos econômicos, permitia a realização de festas na sua sede, tudo com o consentimento do Sport Club Internacional.

Certo é que, portanto, a morte do jovem Igor somente ocorreu em decorrência da conduta dos demandados, positiva com relação à Asfinter e negativa quanto ao clube demandado, caracterizando, assim, o primeiro elemento da responsabilidade civil.

Quanto à culpa, embora se possa cogitar na aplicação do Código de Defesa do Consumidor à hipótese, está devidamente preenchida no caso dos autos.

Com efeito.

Como se pode perceber da análise dos autos, em especial da prova oral colhida no curso da instrução, a segurança do evento era precária, não dispondo das mínimas condições para que eventuais conflitos ou confusões fossem contidos.

Isso, aliás, vem comprovado pelo tão só fato de ter sido permitida a entrada de pessoa armada no local. É dizer, além da previsibilidade de ocorrência de resultado desta natureza, os organizadores da festa foram negligentes com relação à segurança do evento.

A caracterização do nexo de causalidade, de igual modo, vem devidamente comprovada, uma vez que o evento morte está diretamente atrelado às atividades desenvolvidas na então sede da Asfinter, no complexo Beira-Rio. Ou seja, uma das causas potenciais e adequadas à produção do resultado foi, inegavelmente, o agir dos demandados, que permitiram ou concorreram para a realização de evento sem as mínimas condições de segurança.

Por fim, quanto ao último elemento da responsabilidade civil, qual seja, o dano, prescinde de quaisquer considerações, pois decorrente da própria morte de um ente querido dos autores.

Dúvidas não pairam, portanto, quanto à responsabilidade dos requeridos pelos fatos descritos na exordial, o dever de indenizar e os prejuízos causados aos familiares do jovem, razão por que, sem maiores delongas, passo à quantificação da indenização cabível na espécie.

2.2.4) Dos danos materiais: alimentos indenizatórios

A pretensão em tela merece parcial acolhimento, ressalvando-se apenas o pedido com relação aos beneficiários do futuro pensionamento.

Pois bem, cumpre destacar, de início, que o jovem Igor dos Santos Carneiro, à época dos fatos, na condição de estudante de Direito, já exercia atividades laborais, do que se presume auxiliava e contribuía nas despesas do lar.

E tal fato, por si só, já é motivo bastante a caracterizar a procedência do pedido no particular, embora não na extensão requerida na exordial.

Observe-se que as provas carreadas aos autos dão conta de que, quando do evento, o de rapaz residia com sua mãe, separada do pai, que, aliás, morava em outro Estado da Federação e tinha rendimentos próprios, não existindo qualquer evidência de que o moço contribuía com o sustento deste. A bem da verdade, tudo indica que o próprio pai auxiliava, de alguma forma, no sustento do filho.

Assim, reputo devido o pagamento de alimentos indenizatórios apenas à pessoa com quem a vítima residia, isto é, à sua genitora, no valor equivalente a 2/3 (um) salário mínimo nacional, reduzida a 1/3 a partir da data em que Igor completaria 30 anos, quando, pela presunção dos dias de hoje, constituiria família, pagos até a data em que ele completaria 72 anos (média de expectativa de vida pelo IBGE), se até lá viva estiver a mãe.

Para fins de cumprimento da presente ordem, em vez de constituição de capital, desde logo é possível que a beneficiária seja incluída na folha de pagamento do Sport Club Internacional, nos termos do artigo 475-Q, § 2º, do Código de Processo Civil, considerando que a Asfinter é uma associação, não tendo patrimônio e folha de pagamento definidos e já em situação irregular perante a Receita Federal.

2.2.5) Dos danos morais

Da análise da situação narrada nos autos não há como extrair outra conclusão senão a de que os autores, com a morte do ente querido, foram submetidos a intensa dor, sofrimento, angústia e depressão, pressupostos esses que, por si só, ensejam a indenização pretendida.

Aliás, a dor a que se se está a tratar não é uma dor efêmera, que desaparecerá com o decurso do tempo. Aqui, o tempo não terá forças suficientes a apagar a dor e o sofrimento dessa família, dessa mãe e desse pai, que, na fatídica madrugada do dia 19/10/08, receberam a pior notícia de suas vidas, notícia essa que, sem dúvida, mudou radicalmente a história de cada um dos integrantes da entidade familiar.

O sofrimento decorrente da morte de Igor será, inequivocamente, uma constante na vida de cada um dos familiares, que, nos dias festivos e mesmo no dia a dia , não mais terão o ente querido próximo, restando-lhes apenas a lembrança e o retrato deste em suas memórias. O falecimento de Igor não obedeceu as regras da natureza, ocorreu antes do passamento dos pais. Não pode haver dor mais profunda do que a dos pais que perdem um filho. É a mais brutal das mortes.

Nesse sentido, cumpre reconhecer que, em se tratando de morte de familiar, o dano moral é in re ipsa, isto é, vinculado à própria ocorrência do fato ofensivo.

2.5.6) Do arbitramento dos danos morais

Fixadas tais premissas, e reconhecida a ocorrência de ato ilícito, o qual gerou danos aos postulantes, impõe-se a análise do valor da indenização, que deverá levar em consideração as peculiaridades do caso concreto, de forma que a indenização preencha o binômio retributivo-punitivo, no sentido de que os ofensores sejam punidos e, especialmente, os familiares sejam compensados pela dor da perda.

Como esclareceu a Desa. Liége Puricelli Pires no julgamento da apelação Nº 70021808118, “ a sanção deve atingir sua dupla finalidade: a retributiva e a preventiva. Justamente por isso, a quantificação deve ser fundada, principalmente, na capacidade econômica do ofensor, de molde a efetivamente castigá-lo pelo ilícito praticado e inibi-lo de repetir o comportamento anti-social, bem como de prevenir a prática da conduta lesiva por parte de qualquer membro da coletividade. De outra parte, a jurisprudência recomenda, ainda, a análise da condição social da vítima; da gravidade, natureza e repercussão da ofensa; da culpa do ofensor e da contribuição da vítima ao evento, à mensuração do dano e de sua reparação”.

A respeito do arbitramento dos danos morais, também vale transcrever as lições do eminente professor e desembargador Sérgio Cavalieri Filho, que, com a clareza que lhe é peculiar, dispõe sobre o tema.

Senão, vejamos:

Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes1.

É dizer, a fixação dos danos morais deve levar em consideração, segundo a doutrina e jurisprudência, quatro pressupostos básicos, a saber, a extensão do dano, as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos, as condições psicológicas das partes e o grau de culpa dos agentes.

Pois bem, ciente das premissas retro, forçoso destacar que, pela peculiaridade do caso, a indenização a ser paga deve levar em especial consideração a extensão dos danos e o abalo psicológico com relação a cada um dos autores, sem descurar da situação econômica dos resposáveis.

Não há dúvidas, no ponto, que o sofrimento e abalo dos pais é, sem dúvida, mais presente, forte, intenso e duradouro que com relação aos demais familiares, no caso, a irmã e a avó, fatores que, como dito, hão de ser observados na fixação da indenização.

Soma-se a isso o fato de que uma das pessoas jurídicas responsável pela reparação é de grande poder econômico, pois relacionada ao mundo do futebol de primeira linha do País. É sabido que a folha de pagamento do Sport Clube Internacional gira em torno de cinco milhões. Dessa forma, não se pode raciocinar levando em conta o chamado “homem médio”, porque aqui a realidade é outra e esta deve ser levada em conta.

É nesse contexto que, para os pais, arbitro indenização no valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), pela metade; para as irmãs e a avó, fixo-a em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para cada uma delas.

3.0 DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por MARIA ISABEL FONSECA SANTOS, CARLOS ESQUERDO CARNEIRO, MARIA ANTONIETA MAGALHÃES FONSECA, VIVIAN SANTOS CHIESA FREITAS e CAROLINA SANTOS CARNEIRO, nos autos da ação de indenização, por danos morais e materiais, que moveram contra ASFINTER – ASSOCIAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DO SPORT CLUBE INTERNANCIONAL e SPORT CLUBE INTERNACIONAL, para o fim de:

3.1) condenar às requeridas, solidariamente, ao pagamento de pensão mensal à autora MARIA ISABEL FONSECA SANTOS, no valor equivalente a 2/3 (um) salário mínimo nacional, reduzida a 1/3 a partir da data em que a vítima completaria 30 anos, pagos até a data em que ele atingiria 72 anos, se até lá viva estiver a mãe;

3.2) condenar os demandados, solidariamente, ao pagamento de indenização, para reparação dos danos morais, no valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), para Maria Isabel Fonseca Santos e Carlos Esquerdo Carneiro, pela metade, e R$ 25.000,00 para Carolina Santos Carneiro, R$ 25.000,00 para Vivian Santos Chiesa Freitas e R$ 25.000,00 para Maria Antonieta Magalhães Fonseca, corrigidos pelo IGP-M desde esta data, e acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, a contar da citação.

Em face da sucumbência mínima dos autores, responsabilizo os réus pelo pagamento das custas e honorários advocatícios da parte autora, os quais, por força do artigo 20, § 3 e 4º, vão fixados em 20% sobre o valor da condenação.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 01 de dezembro de 2010.

Jane Maria Kohler Vidal,

Juíza de Direito

Processo nº 10901542974

Fonte: http://www.tjrs.jus.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário