terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Eugênio Facchini Neto: "É preciso melhorar o Judiciário, tornando-o mais acessível, mais eficiente, mais justo".

Eugênio Facchini Neto: "É preciso melhorar o Judiciário, tornando-o mais acessível, mais eficiente, mais justo"

O Juiz de Direito Eugênio Facchini Neto proferiu palestra no VIII Seminário Internacional de Gestão Judicial, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília. O magistrado abordou o tema gestão estratégica frente ao novo perfil das demandas contemporâneas e concluiu que é preciso melhorar o Judiciário, tornando-o um prestador de serviços mais acessível, eficiente e justo. Leia, a seguir, entrevista acerca dos principais pontos abordados no painel.

Juiz Eugênio Facchini Neto

Imprensa: Muito se fala em crise do Judiciário. No seu entendimento, o Judiciário vive uma crise?

Juiz Facchini: Quando se fala em crise do Judiciário, normalmente pensa-se nos efeitos, nas consequências. Critica-se, sobremodo, a lentidão dos processos. Todavia, pouco se tem discutido, a sério, as causas de tal crise e as possíveis formas de resolução do problema. A esse respeito, o Judiciário tem tido uma postura tradicionalmente reativa, enfrentando problemas já existentes e ensaiando, empiricamente, soluções.

Imprensa: Diante desse cenário, o que o senhor entende que deveria ser feito?

Juiz Facchini: É necessário que o Judiciário conheça as reais causas da crise que enfrenta e, em cima da realidade, planeje o futuro da instituição, de forma a melhorar seu desempenho e superar seus desafios. O Brasil mudou significativamente nos últimos 20 anos, acompanhando mudanças universais. Do ponto de vista global, é um fato que as sociedades tornaram-se mais massificadas em suas relações, com repercussão na própria noção de contrato, que deixou de ser a expressão de um acordo bilateral, para ser um conjunto de normas padronizadas impostas por grandes fornecedores para um universo de consumidores. Aliado a isso, houve, no mesmo período, um enorme crescimento do número de advogados em atividade no país. Como efeito natural da maior concorrência, ocorreu uma nítida mudança da prática advocatícia, e os advogados passaram a procurar potenciais clientes, oferecendo seus serviços no mercado, de forma agressiva. Em muitos casos, o mercado sequer existe, mas é artificialmente criado pelas novas práticas advocatícias. Houve, ainda, uma expansão dos direitos fundamentais sociais, especialmente na área da saúde, previdência social e moradia gerando, também, uma maior demanda judicial na direção da efetivação e implementação de tais direitos. Não é à toa que se fala, por exemplo, em 'judicialização da saúde' no Brasil.

Imprensa: Há algum outro fator?

Juiz Facchini: Tampouco se pode esquecer, em termos de diagnóstico das causas, uma antiga postura esquizofrênica do Estado brasileiro, em todas as suas esferas (União, Estados, Municípios), no sentido de tentar protelar quanto possível o pagamento de suas dívidas, preferencialmente deixando-as para os governos sucessivos, ainda que isso signifique um aumento significativo da própria dívida, acrescida de juros, correção monetária, multas, despesas judiciais e advocatícias. Isso implica uma avalanche de ações judiciais que tardam a chegar a um porto seguro.

Imprensa: Diagnosticadas as causas, por onde passam as soluções?

Juiz Facchini: Passam por um planejamento estratégico. Elogiável, nesse sentido, a determinação do CNJ no sentido de que todos os Tribunais do País adotem planejamento estratégico, bem como forneçam aos seus magistrados conhecimentos de administração e gestão judiciária. Desde sempre o Judiciário vem sendo estudado sob o prisma do Poder. Todavia, apenas recentemente vem sendo dada a devida importância do Judiciário enquanto prestador de serviços. Quanto ao primeiro aspecto, a independência é o problema fundamental. Quanto ao segundo aspecto, a eficiência é o que importa. Para a sociedade, tão importante quanto à questão do Judiciário enquanto poder é a questão do Judiciário enquanto eficiente prestador de serviços jurisdicionais.

Imprensa: O que é preciso para que se qualifique o serviço prestado pelo Judiciário brasileiro?

Juiz Facchini: Desde que se começou a pensar seriamente na busca de maior eficiência do Judiciário, enquanto prestador de serviços, passou-se por várias ondas. Procurou-se, inicialmente, enfrentar o problema através de reformas legislativas que buscassem simplificar os procedimentos, reduzir recursos, visando tornar o processo mais ágil e célere. Contemporaneamente, procurou-se, sempre que possível, conferir um melhor aparelhamento do Judiciário - mais magistrados, mais infra-estrutura (especialmente informática), mais pessoal de apoio. Alguns países enveredaram, também, pela via da desjudicialização de conflitos, implementando Meios Alternativos de Resolução de Litígios (Alternative Dispute Resolution A.D.R.). Apesar da adoção de tais medidas em vários países, o problema persistia. A escassez e limitação universal de recursos faz com que seja necessário ir além das soluções que pregavam simplesmente mais do mesmo (mais magistrados, mais recursos, etc.). Dos anos 90 em diante, quase todos os países passaram a apostar em reformas que reforçam a capacidade de organização, planejamento e gestão da justiça. A solução passa necessariamente por uma administração mais eficiente, profissional e menos empírica. Técnicas de gestão que dão certo na esfera privada e na esfera pública, com as devidas adaptações podem e devem ser utilizadas também na administração judiciária.

Imprensa: No contexto atual, qual o papel das ações coletivas como forma de solucionar essa crise?

Juiz Facchini: Dentre as possíveis soluções para a crise da Justiça, há de se passar necessariamente pela valorização das ações coletivas, instrumento processual que pode ser aperfeiçoado ainda mais, especialmente para que, quando possível, a execução se dê extrajudicialmente, sob a fiscalização de um gestor nomeado judicialmente. Uma coisa parece certa. Em uma sociedade de massa, em que os litígios igualmente são massificados e idênticos, crescendo em proporção muito superior à do crescimento da estrutura do Judiciário, não há como fazer frente a essa realidade com os instrumentos de um direito processual que foi criado no século XIX para resolver os litígios inter-subjetivos que então existiam. O remédio processual deve ter em vista a natureza da enfermidade. Se o problema são as ações de massa, então a resposta necessariamente passa pela utilização das ações coletivas. Paralelamente a esse encaminhamento, outras medidas devem ser abrangidas por um planejamento estratégico compreensivo. Algumas sugestões são de mais amplo respiro. Outras permanecem no nível micro.

Imprensa: No âmbito dos Tribunais, o que pode ser feito?

Juiz Facchini: Há que se absorver a cultura da profissionalização da gestão do Judiciário. Um bom julgador não significa necessariamente um bom administrador. A indicação para cargos estratégicos, de planejamento e gestão, não pode ser conduzida por critérios de amizade, mas sim pela competência e conhecimento técnico; Na medida dos recursos disponíveis, deve-se implementar a integral informatização dos serviços judiciários, com a paulatina implementação da virtualização dos processos. A intimação eletrônica dos advogados atuantes no processo acabaria com uma das maiores fontes de atraso processual em varas/juizados de grande movimento; Onde não existirem, devem ser criados bancos de dados sobre boas práticas judiciais e cartorárias, para que sejam difundidas, implicando uma maior racionalização de rotinas cartorárias, eliminando-se praxes inúteis e procrastinatórias que permanecem, às vezes, por simples inércia; Os Tribunais devem permanentemente assumir a tarefa de sensibilizar todos os seus membros para a importância da administração e gestão judiciária em todos os seus níveis (gestão do Poder Judiciário, gestão do Foro, gestão da Vara); Há que se apostar mais na maior especialização dos magistrados e das unidades jurisdicionais, diante do evidente ganho de expertise dos magistrados, com conseqüente maior celeridade no julgamento e maior uniformização jurisprudencial.

Fonte: http://www.tjrs.jus.br/

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