domingo, 5 de dezembro de 2010

O triste e longo caso de um "parto festivo" em Xangri-lá.

Por Marco Antonio Birnfeld,
advogado (OAB-RS nº 6.477) e jornalista.

Um parto realizado em 1998 que deveria ser normal e festivo; sequelas neurológicas graves para a menina que nasceu no que seria um acontecimento comunitário e político; e uma ação judicial que já demora injustificáveis nove anos e meio - são alguns dos componentes de caso julgado, em grau recursal, pela 10ª Câmara Cível do TJRS.

Pelo lado humano, o drama definitivo é de uma pessoa que ficou incapacitada para os atos da vida civil, vencida por perda da fala, crises convulsivas e severo retardo no desenvolvimento neuropsicomotor, causados pela longa espera para o parto e falta de estrutura do hospital, que havia sido inaugurado quatro dias antes.

Pelos ângulos constitucional e jurídico, a conclusão é a do desrespeito a um preceito da Carta Magna: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (art. 5º, inciso 78).

O mesmo artigo, mais adiante, assegura que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". O processo judicial já tem nove anos e meio de tramitação.

Só em primeiro grau foram mais de oito anos de tramitação no problemático Foro de Capão da Canoa. Há constantes reclamos da Advocacia gaúcha sobre o caos na comarca - cuja situação deve se agravar em função do natural aumento das demandas de dezembro até logo após o carnaval. Não há notícias de soluções a curto ou médio prazo.

O triste caso julgado é da menina N.L.P. que era esperada, em 20 de janeiro de 1998, como "a primeira cidadã a nascer no novo hospital do Município de Xangri-lá", no litoral norte gaúcho. Foi chamada a imprensa para, no início da tarde, assistir e noticiar o acontecimento, desde o trabalho de parto. A criança, porém, nasceu apenas às 22h30min, com sofrimento fetal.

Como o hospital local não tinha aparelhagem para promover a oxigenação, a recém nascida foi transferida para o Hospital da Ulbra, em Tramandaí. A ambulância que conduziu o bebê levou 50 minutos para buscá-la no hospital de Xangri-lá, além do tempo gasto nos 25 km de distância entre as duas cidades.

A paciente foi anestesiada pelo próprio obstetra, Juarez Andrighetto Maroso. Na época, o hospital só tinha alvará para funcionamento como "unidade 24 horas". Após o fato, o Conselho Regional de Medicina do RS interditou a instituição e aplicou ao médico, em processo ético-profissional, a pena de censura pública.

Detalhe: o obstetra Maroso era, coincidentemente, também o secretário municipal da Saúde de Xangri-lá. O prefeito, na ocasião, era Renato Selhane de Souza, que faleceu em 8 de março de 2010, vítima de complicações causadas por diabete. Ele teve o mandato cassado em 9 de junho de 2000, sendo sucedido pelo então vice-prefeito Érico de Souza Jardim.

De acordo com a perícia judicial, "o Município, o hospital e o médico não possuíam os meios adequados e necessários tanto para preservar a integridade da saúde materna, quanto para proporcionar condições que poderiam permitir o desenvolvimento pleno somático, neurológico e psíquico da autora".

Segundo o relator Paulo Lessa Franz, da 10ª Câmara Cível do TJ gaúcho - ao improver os recursos dos réus e prover em parte a apelação dos pais da menina, "em que pese o médico ter utilizado técnicas necessárias e aplicáveis ao caso, agiu com culpa e assumiu o risco quando decidiu manter parturiente em nosocômio sem infraestrutura necessária para a realização de parto cesariano, caracterizando a sua responsabilidade solidária com a do município réu".

Conforme o julgado, "o médico fez com que a gestante aguardasse por longo período, mesmo sabendo que o hospital não tinha condições de enfrentar complicações no parto".

Uma das testemunhas oculares declarou que, "durante o trabalho de parto, tanto o médico quanto as atendentes não estavam devidamente trajados e equipados, sendo ainda permitida a entrada da imprensa e de pessoas inadequadamente vestidas". O berço era precário: não podia ser ligado à rede elétrica e o aquecimento era feito com garrafas pet que foram enchidas com água quente.

A condenação pelo dano moral, fixada em R$ 93 mil pela juíza Amita Antonia Leão Barcellos Mileto foi mantida. Pelos critérios do julgado, com correção e juros a parcela chega hoje a R$ 213.612; os danos materiais atualizados são de R$ 12.593 - ambos os cálculos feitos pelo Espaço Vital.

O pensionamento vitalício foi majorado para três salários mínimos mensais - embora, numa passagem, o acórdão contenha a contradição de se referir a dois salários. A parcela alimentícia deve receber o implemento de juros (12% ao ano) desde o evento danoso e chegaria, assim, a R$ 4.170 mensais.

A decisão judicial impõe tais ônus financeiros, solidariamente, ao ente municipal e ao médico Juarez Andrighetto Maroso. O pedido da inicial era de uma indenização de R$ 1,8 milhão.

Ainda não há trânsito em julgado. Atua em nome da autora o advogado Lorenzo Alberto Paulo, cujo trabalho profissional foi elogiado na sentença. Os honorários foram fixados em R$ 20 mil. (Proc. nº. 70033015785).

Fonte: http://www.espacovital.com.br/

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